Entre bananas e coxinhas #somostodosbananas.

Como todos a essa altura já devem saber, o brasileiro Daniel Alves do Barcelona foi vítima de racismo por parte de um torcedor do Villareal, que jogou uma banana em sua direção durante uma partida do campeonato espanhol.
A partir de então, diversas celebridades apareceram pra mostrar sua indignação, posando com fotos comendo banana e usando a tag #SomosTodosMacacos - uma ideia que partiu da agência de publicidade de Neymar.
É muito bacana ver nossas celebridades mobilizadas na luta contra o racismo, não é mesmo? Nada como uma agência de publicidade para suavizar e escamotear a dura realidade dos fatos. Com o bom humor característico dos publicitários, todos viramos macacos, e a atitude do espanhol já nem parece mais tão grave assim. O objetivo não é combater o preconceito frontalmente, mas tratá-lo lateralmente, com um beijinho no ombro, como se racismo fosse apenas uma inveja das inimigA.

O brasileiro realmente é muito solidário. Quando vemos nossas estrelas sofrendo racismo nos campos europeus, uma indignação patriótica parece tomar conta de nós. É natural. Mas não costumamos ser tão combativos com o racismo nosso de cada dia.
Quando atiraram bananas no carro de um desconhecido árbitro de futebol e o chamaram de"imundo", "macaco" e "escória", não houve essa onda de indignação e as pessoas de bem não se apresentaram.
Quando Danilo Gentili ofereceu bananas para Thiago Ribeiro, não houve comoção, revolta ou hashtags bem intencionadas. Nenhuma celebridade sequer repreendeu o colega.
O curioso é que três dias antes do incidente com Daniel Alves e a febre do #SomosTodosMacacos, o juiz Marcelo Matias Pereira absolveu Danilo Gentili por ter oferecido bananas para um internauta negro. Numa sentença tão sensível quanto Ali Kamel, o juiz afirmou:
"a abordagem [de Gentili] com seus seguidores, ainda que agressiva, tinha a intenção de fazer rir. (...) "
Assim como o nobre jurista, várias das nossas celebridades também entendem que, no humor, diferentemente do futebol, vale oferecer banana a um negro se a intenção for fazer a plateia gargalhar. Claro, é tudo uma grande brincadeira.
Esse é o famoso jeitinho brasileiro aplicado ao racismo. Recriminamos o espanhol racista contra o compatriota que joga na seleção, mas absolvemos o humorista da casa, que faz a plateia rir se apoiando no deboche preconceituoso contra um desconhecido. O país do #NãoSomosRacistas adorou a tag #SomosTodosMacacos, mas, quase na mesma semana, comemorou a absolvição de quem oferece bananas pra negros com #ChupaLaSombra.

Beijinho no ombro pra coerência!


Foi Luciano Huck, após ser assaltado em outubro de 2007, que escreveu a respeito de seu próprio assassinato essa fantasia bizarra: "Uma jovem viúva. Uma família destroçada. Uma multidão bastante triste. Um governador envergonhado. Um presidente em silêncio. Por quê? Por causa de um relógio".

Como se vê, Huck atribuiu a si mesmo uma importância social extraordinária – provavelmente já contando com o sensacionalismo turbinado da mídia nos casos que envolvem... Hmmm... Celebridades. Mas também nos obriga a lembrar um detalhe. Não era “um relógio” qualquer, era um rolex. De ouro. E um rolex de ouro pode custar até centenas de milhares de reais. Com sua peculiar sensibilidade social, Huck não entendeu que um maluco com muitos milhares de reais pendurados no pulso pode, sim, ser assaltado, e talvez morto. O rolex de Huck, naquele ano, consta, custava R$ 39 mil. No Brasil mata-se por muito (mas muito) menos.

Eu também reclamaria caso roubassem algo comprado com o suor do rosto. Reclamaria na mesa de bar, em família, na roda de amigos. Nunca num jornal. Esse argumento, apesar de prosaico, é pra mim o xis da questão. Por que um cidadão vem a público mostrar sua revolta com a situação do país, alardeando senso de justiça social, só quando é roubado? Lançando mão de privilégio dado a personalidades, utiliza um espaço de debates políticos e adultos para reclamações pessoais (sim, não fez mais que isso), escorado em argumentos quase infantis, como 'sou cidadão, pago meus impostos.

Ontem, Luciano Huck fez pior. A história começou no domingo, num jogo na Espanha. Como todo mundo já deve saber, o jogador brasileiro do Barcelona, Daniel Alves, foi alvo de uma banana arremessada. Antes de cobrar um escanteio, em uma inspiração momentânea (pelo menos aparentemente, como veremos), Alves comeu a banana, como se nada estivesse acontecendo. O vídeo correu mundo – mas a coisa não parou nisso.

Continuou, e aumentou, com uma manifestação um tanto esquisita de Neymar, que postou foto também comendo banana, ao lado de seu filho (veja a foto). Esquisita porque Neymar, seu colega de time, já tinha nos explicado no final de 2013 que “nunca foi vítima de racismo – até porque não é preto, né”, reforçando a declaração em mais de uma entrevista.

Talvez Neymar tenha superado a amnésia traumática e lembrado que já foi sim alvo de agressões racistas. Por exemplo na Bolívia, em 2012, quando, ainda no Santos, foi alvo de bananas. Então a tag que lançou junto com a foto, #somostodosmacacos, seria um pouco menos impessoal. Além dele, ao longo da segunda-feira, gente como Alexandre Pires, Michel Teló, Ivete Sangalo, Claudia Leitte, Fátima Bernardes, Ana Maria Braga, Dinho Ouro Preto e Reinaldo Azevedo (!), além do Inri Cristo, postaram suas respectivas (ops) bananas.

Pareceria um caso, sempre meio bobo, de viral-celebridade, se dois desdobramentos não viessem a público:

 a) a tag #somostodosmacacos foi criada por uma agência de publicidade, a Loducca. Como no caso da cueca, Neymar gosta de fazer publicidade disfarçada. Questionado, um executivo da agência respondeu que “tentar desmerecer o movimento pelo fato de ter uma agência por trás é tão preoconceituoso quanto o torcedor que joga a banana. Por que não pode haver ajuda profissional? Não é uma campanha para vender nada”;

b) a loja de Luciano Huck, o primeiro depois de Neymar a postar foto sua (com a esposa Angélica), já tinha pronta para vender uma camiseta com a tag e  banana, a R$ 69 reais.

Ou seja, se a Loducca só queria “vender boas intenções”, para Luciano Huck isso não era um impedimento. E nem roubar a banana do Andy Warhol na capa do disco Velvet Underground.


PS: Após o bafafá nas redes sociais, a empresa Use Huck anunciou que 100% dos lucros serão revertidos para o projeto social de Neymar. Será mais uma ideia da agência de publicidade do craque?


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