Entre o século XVIII e XIX...



Sou carioca da Penha, Zona Norte do Rio de Janeiro. Morei na Ilha do Governador e conheço meu Rio de cabo a rabo, do Leme ao Pontal. Contudo, por conta de campo de trabalho, mudei-me recentemente para Curitiba, uma pequena cidade do Paraná. Nos limítrofes da região Sul do país...

Não obstante, apesar de ter ido em vários lugares estranhos no RJ, como Paracambi, Seropédica, Quatis, Lote XV, vivo situações de vida que me lembram e o século passado.

Digo isto porque nestas paragens, com a banda que me contratou, vivencio a curiosa sensação de habitar dois mundos concomitantes. A minha experiência na Cidade Maravilhosa é muito semelhante à daquelas pessoas que vivenciaram a segunda fase da modernidade - apontada pelo filósofo marxista norte-americano Marshall Bermann em seu livro "Tudo que é sólido desmancha no ar" – onde a existência era marcada por uma estranha dicotomia, uma vez que no final do século XVIII início do XIX, o mundo não chegava a ser moderno por inteiro.

Esta é a mesma impressão que tenho aqui. Na era das potentes máquinas de lavar roupas, é possível encontrar na região centro-sul fábricas de esfregadeira. Preciso confessar que não me lembro de tê-las visto antes de aportar nestas terras. Para aqueles que estão se perguntando o que vem a ser uma esfregadeira, defino como uma prancha de madeira com ranhuras que serve para esfregar roupas e deixá-las mais alvas.

Na era das grandes cervejarias industrializadas, aqui se produz cerveja caseira. Vende-se lúpulo no mercado para tal produção artesanal. Não me lembro de ter conhecido alguém que produzia sua própria cerveja antes de vir para cá, a não ser, apenas por ouvir falar a respeito dos antigos monges medievais que enclausurados em seus monastérios produziam cerveja para consumo interno. Deus os abençoe!

Em épocas de lojas de conveniência que funcionam 24h por dia, em alguns lugares por aqui o horário de almoço é sagrado. A cidade fica deserta. As lojas fecham e por uma hora e meia impera o silêncio e a tranquilidade, em detrimento à correria e agitação dos grandes centros urbanos. Aliás, por aqui parece não haver pressa para nada, a não ser para a chegada da tão esperada hora da roda de chimarrão, onde se reúnem familiares, vizinhos e amigos para contar causos em torno da cuia de mate.

Em tempos de rodovias asfaltadas - e porque não dizer pedagiadas -, aqui ainda imperam estradas de chão. Para chegar a determinadas localidades, anda-se quilômetros e quilômetros por estradas cascalhadas. Em muitos vilarejos e até mesmo cidades, só há acesso por chão (vide um lugar chamado Doutor Ulisses - ou seria Professor Ulisses?). Tenho de fazer mais uma confissão: sou acostumado à vida moderna e, portanto, às estradas asfaltadas; e nunca havia sofrido tanto com a trepidação destas estradas empedradas com cascalho. Deste modo, tomei a sábia decisão de comprar um carro (nem que seja um Fusca) para poder trafegar sem maiores problemas pelo interior da região.

Trilhei, portanto, o caminho inverso daquele jovem rapaz proposto por Jean Jacques Rousseau (1712-1788) em sua novela "A Nova Heloísa", que sai do campo e vai para a cidade, sentindo, dessa forma, o choque de experimentar o turbilhão social da vida na metrópole. O fato de ter vivido a plena modernização e de retornar ao mundo dicotomizado possibilita-me ter uma percepção mais aguçada das venturas e desventuras da vida moderna. Até porque, no parecer de Bermann, a modernidade é essencialmente contraditória.

Isto implica dizer que ela não traz consigo apenas e tão somente benfeitorias. Existem também infortúnios no processo de modernização: os congestionamentos, a poluição, a violência, a perda da sociabilidade, o estresse, desigualdade social... Não obstante, não podemos simplesmente abraçar a modernidade sem maior senso crítico. Somente com uma visão aberta desse processo onde se percebe as contradições da vida moderna será possível absorvê-las, superá-las e combatê-las.

Quanto a mim, continuo, ao menos por mais algum tempo, a ouvir o canto dos pássaros – que existem em abundância de quantidade e de espécies – e a observar as paisagens repletas de matas, morros e pinheiros – (que mais se assemelham a gravuras pintadas em tela) das belas e bucólicas regiões paranaenses...

Mas ainda verei vocês aí na modernidade. Não vivo sem!
Me aguardem!

Um abraço a todos.

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