Depois dizem q é mentira...

Eu só tinha vivido dois momentos realmente perigosos nos últimos anos: quando um carro passou por cima dos meus pés e o dia em que uma pedra perdida acertou a janela do ônibus onde eu estava.

Eis que, depois desse tempo de muita musica ouvida e muita água de coco bebida, eu ouço a seguinte frase:– Perdeu playboy! Passa o celular, cumpadi. Isso é um assalto!Peraí... Playboy? Será que é esse estilo de cabelo q eu uso agora? Se eu sou "cumpadi" dele, ele deve ser playboy também, não acham?

Não é que eu achasse o momento inadequado para o pedido em questão, mas, convenhamos, assaltar uma pessoa às 18h30, depois do meu time ganhar do Guarani e ficar em primeirão na tabela é algo esquisito, ainda mais quando eu to com sono de ter trabalhado a noite anterior toda, ensaiado na manhã seguinte e achar que o meu time ganhando seja uma especie de recompensa por todo esse fim de semana labutado. Não combina né? Só podia ser flamenguista, disto eu não tinha duvidas... Invejosos! Assaltos acontecem à noite, em ruas desertas, sujas, com música de suspense no fundo, e não em locais como a rua movimentada por barzinhos e kioskes.

– Que isso, mano, o celular não – eu falei tentando convencer o ladrão. Se tu me levas o celular eu perco meus contatos, paro de trabalhar, você terá concorrência no mercado e eu terei cem anos de perdão porque você não acha q eu vou te livrar quando isso acontecer, né?

E eu me orgulhava de poder dizer que sou um dos poucos cariocas que conseguem quebrar um assaltante na idéia. Nunca me apontaram uma arma, muito menos uma faca ou objeto cortante por muito tempo. Não tive a oportunidade de participar de nenhum sequestro (relâmpago ou não), nenhuma perseguição com carros, assaltos a bancos, tiroteios no Velho Oeste. Nada. No português vulgar, eu era virgem pra essas coisas.

– Passa o celular, rapá, ou então vou te meter bala, tá ligado? – ele disse, me mostrando a arma por debaixo da camisa (sei lá se era arma mesmo ou não) enquanto os capangas do mesmo assaltavam os demais passageiros. – Vamos, passa a roleta, que vem mais gente aí, no banco você me passa o celular – sugeriu.

Ficamos em pé mesmo então pois ele estava esperando a garota que entrou junto comigo acabar de pegar o troco com o motorista. E nesse momento, toda a filosofia de Jack Bauer entrou na minha cabeça. “E se eu fugir pela janela? Sair correndo, sei lá. Geralmente esses bandidos são ruins de pontaria, ele não vai me acertar. Eu posso pular essa janela fácil... E se ele me matar? Aí danou-se, mas já estando perto do Urubu, não tem problema, fico por lá mesmo; é só levar pro 'microondas'.”

– Você é roqueiro, mano? – me perguntou o ladrão enquanto andávamos.
– Não.
– E essas roupas aí? – indagou. Eu vestia uma mísera camisa preta (com a do Vasco por baixo), uma calça jeans e um All Star velho.
– Nem sou roqueiro, cara, mas curto o som sim...

Fomos papeando enquanto seus outros capangas assaltavam o resto da galera... E o papo nos deixando quase íntimos. Nada de ele pegar o celular. O bandido até me fez uma confissão:

– Mano, eu nem curto roubar, tá ligado? Minha parada é traficar.
– Entendo.
Eu queria acabar com tudo logo. “Me assalta de vez, porra. Leva a merda do celular embora então, cacete. Deixa eu sair daqui, pegar o ônibus e beber uma cerveja em paz. Que merda, não sou psicólogo de ladrão”.
– E aí, você tá indo aonde? – ele perguntou.
–Encontrar a minha mina. – na verdade, eu ia sair com o geninho e o pai dele pra tomar uma gelada em homenagem ao trator da fuzarca, mas achei que “sair com a mina” era mais apropriado para o momento.
– Ah, é? Mano, você é gente boa. Nem vou levar seu celular, tá ligado? Me dá a carteira aí, porque eu sei que você tem, e eu vou embora.

Com essa eu não contava... Me fudi... Kem vai encontrar a mina nunca está totalmente duro... Tá certo q eu sou mão-de-vaca e kem me conhece sabe q eu mesmo assim estaria duro tb, mas acho q não era uma boa hora de argumentar isso com o bandido e seus capangas... Argumentei o fato de ficar com os documentos mas ele não quis ouvir... Alegou pressa! É mole? Eu, um pobre coitado, tinha vinte reais no bolso. Estava contado para as despesas da noite, quiçá do mês. Mas é melhor dar vinte do que perder o celular. Sorte minha que os ladrões estão mais burrinhos e ainda acham que pobre guarda dinheiro dentro da carteira... Mas como ele quis ficar com a carteira não reclamei e ai de mim se tentasse fazer akele joguinho "Você quer ficar com o que eu tenho no bolso ou na carteira?". Vai ver ele gostou do design estiloso da minha carteira, oras...

– Aí, mano, não é pra correr atrás de mim. Senão te meto bala, tá ligado?
– Tô ligado.
– Cara, você é firmeza.

Estava ficando tão intimo do infeliz que já tinha uma proposta pra fazer a ele se ele continuasse me elogiando...(Simulação: Eu –> "Quer saber, vamo ali no bar e a gente troca essa nota de vinte. Cada um fica com dez, beleza?). Que estranho... Os assaltantes estão mudando... Culpa da crise, talvez. Falta dinheiro circulando, o crédito diminuiu, as empresas estão demitindo. A marolinha virou tsunami, até os bandidos estão sentindo os impactos. Temos que dividir o nosso dinheiro para um longo inverno, como dizem por aí os políticos. Ja estava pensando "a noite está apenas começando..."! Tinha ainda que prestar depoimento na delegacia (Onde também ganhei o apelido de Lobão entre os oficiais que lá estavam) para tirar a segunda via da identidade... DE GRAÇA, né!! Também não gostava muuuito daquela foto... Quase chamei os oficiais para tomarem uma cerveja comigo...
Ah, no final eu não troquei o dinheiro por medo do dono do bar o reconhecer. Quanta insegurança, não é? Apertou a minha mão e foi embora sem assaltar a mina que ainda estava pegando o troco com o motorista. Deve estar puto agora... Na minha carteira tinha apenas os cartões qua já cancelei, um monte de folders e cartões de visitas de amigos musicos como eu em sua maioria, três centavos q, apesar de muitos jogarem fora, carrego sempre (se juntasse mais dois ficava com cinco, né?), um sachêzinho de pimenta q peguei no Outback, o cartão de 40 unidades q tinha acabado de comprar (por essa perda eu fiquei puto) e os estratos de banco que a maioria das pessoas que já me conhecem bem sabe para que serve! Pobre ladrão, talvez ele só quisesse conversar.

"A humanidade está perdendo seus maiores gênios... Aristóteles faleceu, Newton bateu as botas, Einstein amarelou o pé e eu não tô passando muito bem... E pra piorar ainda fui assaltado! Mas o Vascão ganhou, isso é o que importa! Vascoooooooooooooo..."

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